Baião de dois
Gonzaguinha e Gonzagão conta a vida
de dois gigantes da música brasileira
Por Luiz Chagas
A vida dos dois, pai e filho, foi andar por esse país: tocando, cantando e festejando o orgulho de serem brasileiros. Eles têm histórias parecidas que diferem num único ponto: o pai amadureceu correndo atrás do sucesso, o filho passou dois terços de sua vida correndo atrás do pai – queria que ele o reconhecesse e o acolhesse. A trajetória dessa dupla é contada em detalhes no livro Gonzaguinha e Gonzagão – uma história brasileira (Ediouro, 384 págs., R$ 90), de autoria da jornalista Regina Echeverria (escreveu biografias de sucesso como a de Elis Regina e a de Cazuza). Luiz Gonzaga, o pai, influenciou definitivamente a música brasileira e já reinava nas rádios nos anos 40 e 50 quando lançou Asa branca, uma das composições mais conhecidas no Brasil, perdendo apenas para Carinhoso, de Pixinguinha. Não bastasse isso, foi exaltado e recuperado mais tarde pelo tropicalismo comandado sobretudo por Gilberto Gil e Caetano Veloso. O outro Luiz Gonzaga, o filho, tornou-se um símbolo de resistência contra a censura e o autoritarismo militar nos anos 70 e ficou nacionalmente famoso a partir de alguns sambas, boleros e, principalmente, com a música Explode
coração. Resumo do baião: ambos foram dois dos maiores artistas desse país.
Paternidade é uma das questões fundamentais na vida desses dois cantores e compositores. Gonzaguinha, nascido em 1945, é filho da cantora e compositora Odaléia Guedes dos Santos, que foi muito amiga de Elizeth Cardoso e de outras estrelas do passado. Gonzagão, exímio sanfoneiro e responsável pela divulgação do baião pelo País inteiro, abandonou a mulher (morreu de tuberculose quando o filho tinha dois anos) porque ela preferia ser artista a dona-de-casa. Gonzagão também não ficou com o filho, que então foi criado no bairro carioca do Estácio por um casal amigo do pai: o violeiro baiano Xavier e sua mulher, Dina (citada por Gonzaguinha, carinhosamente e muito mais tarde, em uma de suas músicas: “Diz lá pra Dina que eu volto/que seu guri não fugiu/só quis saber como é, qual é?/pernas no mundo partiu.”) Quando procurou o pai, já casado com Helena (com quem havia adotado uma menina, Rosinha), o garoto foi rejeitado. Para piorar a situação, Gonzagão, que fugira de casa aos 18 anos, se dizia estéril devido às doenças venéreas contraídas nos dez anos em que andou pelo Brasil engajado no Exército.
Pai e filho, e aqui já cabe a ressalva da dúvida porque talvez eles não fossem pai e filho, registraram esses acontecimentos em 1979 durante a turnê do show Vida de viajante, quando os dois se apresentaram juntos pela primeira vez. Gonzagão foi taxativo: “Não posso enfeitar muito isso porque estaria enganando a você e a mim mesmo. A verdade é que você é Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. Eu fui ao cartório e registrei. Tem pouca coisa para contar porque não vivi com sua mãe nem dois anos.” Para diversas pessoas entrevistadas por Regina Echeverria, que teve acesso às inúmeras fitas gravadas por Gonzaguinha com suas reflexões, isso é definitivo: nenhum nordestino, e no caso um pernambucano de Exu machista até a medula, como era Gonzagão, daria seu sobrenome a um filho que não fosse seu. Mas, como os herdeiros descartaram a hipótese de se fazer um exame de DNA (o pai morreu em 1989, devido a complicações decorrentes de osteoporose, e o filho faleceu num acidente de carro no Paraná, dois anos depois) a dúvida ainda permanece: Gonzaguinha era ou não era filho de Gonzagão?
O livro é repleto de curiosidades. Uma delas é a origem do nome do sanfoneiro. Filho de Januário dos Santos e Ana de Jesus Alencar, Luiz Gonzaga, nascido em 1912, foi levado para ser batizado pela avó que ao pisar a igreja ainda não decidira qual o nome que daria ao neto. O padre se lembrou, então, que naquele dia se homenageava santa Luzia. Como a criança era um menino, Luzia virou Luiz na pia batismal. O Gonzaga veio do nome do protetor do padre e Nascimento em razão de o menino ter nascido em dezembro, como Jesus. Também no livro de Regina Echeverria fica-se sabendo que Gonzagão se tornaria o Rei do Baião, paramentado como um cangaceiro e cantando canções de sua terra, porque foi muito incentivado por um estudante de direito cearense que tempos depois chegaria ao posto de ministro da Justiça do ex-presidente João Figueiredo. Seu nome: Armando Falcão. Até dar início a sua fase de sanfoneiro, Luiz Gonzaga se vestia de terno (“como um lorde”, dizia ele) e cantava valsas e tangos. Assim, pelo menos no campo musical, Gonzaguinha e seus bolerões podem ser considerados herdeiros legítimos da fase inicial da carreira de Gonzagão. Ao contrário do que se imagina, no entanto, as letras passionais de suas músicas passam longe de sua experiência pessoal. A genial composição Grito de alerta, por exemplo, surgiu de um caso amoroso que o cantor Agnaldo Timóteo teve com um homem. Ele contou o seu drama a Gonzaguinha. O tempo passou e, um belo dia, ouviu a música nas rádios. Timóteo procurou o amigo e, bem-humorado, lhe disse: “Puxa vida, Gonzaguinha, eu te conto uma história da minha cama e você dá a música para a Bethânia gravar?