(Lúcio Barbosa)
Tá vendo aquele edifício, moço
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
Que me diz desconfiado
Tu taí admirado
Ou tá querendo roubar
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entrestecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar o prédio
Que ajudei a fazer
Tá vendo aquele colégio, moço
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai, vou me matricular
Mas me chega um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Essa dor doeu mais forte
Por que eu deixei o Norte?
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava
Mas o pouco que eu plantava
Tinha o direito a comer
Tá vendo aquela igreja, moço
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchí minhas mãos de calo
Lá eu trabalhei também
Lá assim, valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse:
Rapaz, deixe de tolice
Não se deixe amedrontar
Fui eu que criou a terra
Enchí os rios, fiz as serras
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asa
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
AQUARELA NORDESTINA; 1989; Copacabana