Luiz LUA Gonzaga

Gonzagão ganha disco, filme e museu – Folha de São Paulo

Gonzagão ganha disco, filme e museu
São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009 
Gonzagão ganha disco, filme e museu
Vinte anos após morte, o compositor pernambucano tem a obra resgatada e ganha série de parcerias póstumas
Dirigido por Breno Silveira, longa de ficção a ser lançado em 2011 conta a história do Rei do Baião filtrada pelo olhar do filho Gonzaguinha

 

JOSÉ ORENSTEIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA 
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Já fui sanfoneiro, rei do baião, quase sumi na poeira. Agora, sou lúdico, autêntico. Virei um tal de folclore." Assim Luiz Gonzaga, então com 60 anos de vida, se definia no encarte da série Disco de Bolso do "Pasquim", em 1972.
Agora, 20 anos após sua morte, o "folclore" em torno da figura de Gonzaga pode ser redimensionado. A data redonda reacende, ainda que timidamente, as luzes sobre o artista -raiz da formatação da música popular brasileira no século 20.
Em termos musicais, surgem agora alguns -poucos- lançamentos em que seu nome está envolvido. O principal é um disco com regravações de valsas que Gonzaga compôs na década de 1940 -algumas ganharam letras inéditas por artistas como Zeca Baleiro, Abel Silva, Fernando Brant e Capinan.
Projetos maiores, no entanto, estão previstos para mais adiante. Ainda sem data definida, um museu dedicado à obra do artista deve ser inaugurado em Pernambuco.
E um longa contando parte de sua história tem estreia programada para 2011 -um ano antes daquele que seria o centésimo aniversário do músico.
Baseado na biografia da jornalista Regina Echeverria, o longa "Gonzaguinha e Gonzagão – Explode Coração" já está em processo de pré-produção. A direção fica aos cuidados de Breno Silveira, o mesmo de "2 Filhos de Francisco".
Como fez no trabalho dedicado a Zezé Di Camargo e Luciano, Breno vai partir da vida real para criar um filme não documental, que pode incluir licenças poéticas. O roteiro, que já está pronto, parte do olhar do filho Gonzaguinha para contar algumas das histórias do pai.
O roteiro, que já está pronto, parte do olhar do filho Gonzaguinha para contar algumas das histórias do pai.
"Gonzaga é nosso primeiro artista pop", diz o diretor. "Com sua música, emendou pela primeira vez as pontas desse país, Nordeste e Sudeste."
Líder da banda Cordel do Fogo Encantado, o pernambucano Lirinha concorda com esse conceito. "Ele era o nosso Elvis Presley", diz. "Antes dele, ninguém por aqui ainda tinha pensado em criar um personagem para fazer música, com conceitos definidos de figurino e tudo mais. Ele inventou isso."
Lenine também considera Gonzaga o precursor do "artista vestido, com música e com luz num ginásio". Além disso, lembra, ele e o letrista Humberto Teixeira "botaram o Nordeste no centro da atenção, no mapa do Brasil". "É um débito que temos com ele", diz.
Rei do Baião
Gonzagão foi realmente popular, de Norte a Sul do país. Mas, entre 1941 e 1945, era proibido de cantar nos próprios discos. Exigência das gravadoras, que então só admitiam cantores "de vozeirão" no primeiro plano. Sua voz foi gravada pela primeira vez em um 78 rotações de 1945. A canção era "Dança Mariquinha", parceria dele com Miguel Lima.
Ainda assim, o baião formatado por ele se manteve entre os ritmos predominantes na música brasileira entre aqueles anos 40 e o surgimento da bossa nova (de que, aliás, Gonzaga também foi influência), no final da década seguinte.
"A bossa nova era coisa da elite, não reunia milhares de pessoas em uma praça como acontece com o baião e a música de Gonzaga até hoje", diz o pesquisador Paulo Vanderley, criador de site dedicado ao artista (www.luizluagonzaga.com.br). "Aqui, no Nordeste, todo ano tem missa em homenagem a ele no dia de sua morte."
Já no Sudeste, a importância de Gonzaga, ainda que jamais negada, parece ser subestimada. Seu nome nunca aparece antes de outros "gênios" como Tom Jobim, João Gilberto e Heitor Villa-Lobos.
O momento de maior baixa aconteceu nos anos que se seguiram ao surgimento da bossa nova. Quando, em 1968, o agitador cultural Carlos Imperial criou o boato de que os Beatles gravariam "Asa Branca", Gonzaga voltou à mídia. Essa é, até hoje, a música mais emblemática criada pelo artista.
"É importante para a minha geração rever ‘Asa Branca’ como hino do Nordeste", diz Lirinha. "Não nos identificamos mais com versos como ‘Que braseiro, quer fornalha, nenhum pé de plantação’. Precisamos mudar essa imagem."
Valsas
Com 32 anos, Lirinha é o mais novo dos "parceiros" de Luiz Gonzaga escalados por Gereba, cantor e violonista baiano, para o CD que ele organiza em homenagem ao Rei do Baião. Integram o time nomes ligados à trajetória de Gonzagão, como Gil, Dominguinhos, Elba Ramalho e Fagner.
O projeto nasceu em 1985, numa visita que Gereba fez ao sítio de Luiz Gonzaga em Exu, terra em que nasceu. "Ele me mostrou todas as suas gravações em 78 rotações", lembra. "Fiquei encantado com a sofisticação daquela música."
Passados mais de 20 anos, a ideia de recuperar aquele material amadureceu. Gereba reuniu –com a ajuda de pesquisadores– aquelas antigas gravações e, aos poucos, fez os convites para letristas, cantores e sanfoneiros trabalharem as canções de Gonzagão.
Com lançamento previsto para o começo do ano que vem, o álbum vai se chamar "Luas do Gonzaga". Por ser um disco de valsas, pode ajudar a resgatar Gonzaga da imagem "regionalista" que ainda o persegue.
A partir daí, quem sabe, o tal "folclore" que o próprio artista já disse ter se tornado pode finalmente dar lugar ao gigante da música que ele de fato foi.