Adriana Del Ré
Por anos, os herdeiros dos Gonzaga guardaram consigo um material inédito – e precioso. Eram gravações feitas por Gonzaguinha na turnê Vida de Viajante, que ele e o pai, Luiz Gonzaga, fizeram juntos pelo Brasil em início da década de 80. Aquele simbolizou um período de reencontro, de redenção entre os dois, que durante anos mantiveram um relacionamento difícil e distante. Gonzaga filho registrou conversas com Gonzagão, com a madrasta Helena (que o rejeitou), entre outros depoimentos em torno do universo de seu pai. Tinha planos de escrever um livro sobre ele.
Autora de biografias como de Elis e Cazuza, a jornalista Regina Echeverria foi procurada por uma advogada, representante do clã Gonzaga, para lhe oferecer aquelas gravações e a tarefa de finalizar o trabalho inacabado de Gonzaguinha, morto num acidente de carro, em 1991. Regina viu-se com um tesouro nas mãos, porque, ali, naqueles registros sonoros, pai e filho tratavam de assuntos que sempre lhes foram muito dolorosos, como a eterna dúvida envolvendo a paternidade de Luiz Gonzaga. ‘Eu não tenho o menor temor de ser ou não ser filho de Luiz Gonzaga. Eu não tenho o menor temor de ser filho de fulano ou sicrano. É preciso que fique claro que meu pai, como está escrito no cartório, é você, e minha mãe Odaléia Guedes dos Santos, como está na minha carteira de identidade’, disse Gonzaguinha. ‘E eu também não posso enfeitar muito isso porque estaria enganando a você e a mim mesmo. Não há razão nenhuma para mentira. A verdade é que você é Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. Eu fui ao cartório e registrei’, reforçou Gonzagão.
Regina não viu outra saída senão encarar o desafio de escrever duas biografias numa mesma obra, fazendo com que a história de um se entrelaçasse com a do outro. Era inevitável, pois as duas vidas se misturavam e se mostravam indissolúveis naquelas gravações: foram predestinadas a coexistir, com todos os fardos e alegrias, e a se findar em curto espaço de tempo. Durante dois anos, a jornalista se dedicou ao projeto, praticamente sozinha. Realizou o trabalho de pesquisa e de transcrição de 20 horas de entrevistas. Escreveu o livro Gonzaguinha e Gonzagão – Uma História Brasileira (que será lançado hoje na Livraria Cultura, em São Paulo) em sua casa de São Vicente, litoral paulista. Da janela, tinha a visão da praia do Gonzaga. Um desses gracejos do destino.
Voltando à questão da paternidade, ela tinha consciência de que este seria um dos impasses em suas pesquisas. ‘Sofri ao decidir como me posicionar. Como jornalista, eu queria dizer se ele era filho ou não, mas não tinha como. Eu tive de encontrar maneiras de abordar o assunto e fazer o leitor tirar as próprias conclusões.’ Em vida, nem Gonzaguinha nem Gonzagão cogitaram fazer testes para provar o vínculo sanguíneo. É bem verdade que Luizinho – como o Rei do Baião o chamava – cresceu num morro do Rio, criado pelos padrinhos e longe do pai. Mas Gonzagão nunca negou ser ele seu filho legítimo. Um exame de DNA nos restos mortais poderia esclarecer o caso, mas está fora de questão para os herdeiros.
Este não é o norte principal do livro. Como jornalista, Regina teve preocupação de relatar duas histórias, com fluência na escrita e histórias interessantes, como requer uma reportagem. Tendo como ponto de partida o nascimento de Luiz Gonzaga, na cidade pernambucana de Exu, em 1912, e como desfecho final a morte de Gonzaguinha, 79 anos depois. Nesse espaço, narra como Gonzagão foi influenciado na música pelo pai Januário; a entrada para o exército; a ascensão da carreira no Rio; os parceiros; a ‘invenção’ do baião; a paixão pela cantora Odaléia; os altos e baixos na carreira; o nascimento de Luiz Gonzaga do Nascimento Jr., que cresceu moleque no morro de São Carlos e virou adulto triste e amargo.
Enquanto Gonzaguinha trilhava caminho próprio na música, vivia às turras com o pai e com o mundo. Divergia com Gonzagão, mas nunca se queixava da vida, nem de ninguém. E quando finalmente o sucesso veio, provou ao pai que não tinha virado marginal e era chegada a hora da reaproximação. Para Regina, esta é uma história de amor entre dois homens, mas que tiveram pouco tempo para esse resgate. Em 2 de agosto de 1989, o coração de Luiz Gonzaga parou de bater.
Quinta-feira, 30 novembro de 2006
Estado de São Paulo